... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 45 - Setembro 2012

Crônica - Cesar Cruz

Funcionario, 2008 - Michel Pérez Pollo

A Invasão dos Horácios

Tenho me sentindo perseguido por eles. Não resta mais dúvida, eles agora são maioria. Brotam do chão aos milhares e ficam ali, saltando como camarões na areia seca, reproduzindo-se por mitose.

Há muito o nome Horácio deixou de pertencer exclusivamente àquele dinossauro, dos bracinhos curtos, criação do Maurício de Souza. Já de uns bons anos pra cá, passou a apelidar um novo espécime, conhecido meu e seu, e bem humano. Trata-se do Horácio Corporativo, tipo que você encontra às dezenas nas empresas. Lembremo-nos dele: é o sujeito que não faz nada além do que é estritamente obrigado a fazer (e olhe lá) por exigência da ocupação. Conhece algum?

“Você pode me ajudar a...”. Não pode. O Horácio nunca pode ajudá-lo a fazer nada que não seja sua atribuição oficial, registrada sabe-se lá em que documento que ele garante que assinou quando começou a trabalhar ali. O Horácio Corporativo é um avarento no quesito ajuda. Não estende a mão; nem pra trabalhar, nem pra cumprimentar. Tem o braço curto, e a cara amarrada.

Meio-dia e um minuto? O Horácio larga a caneta. E aí pode esquecer. “Por favor, apenas um visto aqui pro navio do Suriname poder atracar e...”. Dane-se. O Horácio não se importa. Aquele é o sagrado instante em que começa a hora do seu almoço. E agora, meu caro, vistos e carimbos só às 13h30. O navio do Suriname que afunde.

Apesar da pós-graduação e do inglês fluente, quando você precisa de um Horácio ocorre o seguinte: você telefona e ele está em reunião (os horácios estão sempre em reunião). Então você dispara um email, com aquela perguntinha simples que pede resposta rápida, coisa boba, do metiê do Horácio, coisa pra ser respondida em, sei lá, 25 segundos. Mas não recebe retorno. Nem naquela manhã, nem na parte da tarde. O detalhe é que o dia avança, e você já ligou oito vezes no setor, mas ele já saiu da tal reunião e, segundo informações, está em outro departamento; depois almoçando, depois na expedição, depois no DP, depois em outra reunião, depois só Deus sabe onde... Cabe a você compreender: os horácios são muito ocupados.

Diante dessa sucessão de ausências, você, em desespero — já que precisa levar ao cliente a informação que só o bendito Horácio tem — manda SMS, emails, deixa 58 recados com os colegas e... Nada.

No dia seguinte, com o cliente já enlouquecido a fungar no seu cangote, te culpando de atrasar os trâmites e pôr tudo a perder, ao que você tenta ingenuamente justificar: “Sabe que é: lá no departamento fiscal temos um Horácio e...”. Ele não quer nem saber! Cada um que cuide dos seus horácios, oras!

Como último recurso, você recorre ao Facebook — um legítimo Horácio sempre carrega embaixo do bracinho curto um tablet ligado ao Facebook. Também não resolve. Silêncio do Horácio.

Então, como você supunha, agora já está tudo desabando na sua cabeça (detalhe é que os horácios parecem ter sempre o chefe ao seu lado, que agora mesmo está te olhando feio, e você aí sem fazer nada!). Dias depois, você já noites sem dormir, as olheiras escuras te dando um ar de panda, as coisas já praticamente perdidas, eis que você dá a sorte de ligar no setor e... MILAGRE! O Horácio atende!

“Sim, claro que recebi seus recados” — ele diz, com a serenidade típica da espécie — “... é que taxa de transbordo não é atribuição minha”.

O pior é que, naquela tarde, quando você se suicidar na copa, com a colherinha do café metida no ouvido, ninguém na empresa vai entender por quê.
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Público

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