... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 45 - Setembro 2012

Editorial

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
Mal rompe a manhã.

(Carlos Drummond de Andrade)


Salve, Salve!

Embora TUDA não engage, como já disse, publica e defende o engajamento. Não gostar de bandeiras é uma coisa, mas oferece o mastro! E dá-lhe mastro no Tall Ship Festival em Dublin, em Agosto (pequena foto acima)!

Setembro TUDA! E TUDA vem com tudo, traduzindo a poesia engajada de Thom Gunn, e Aristides Klafke - dá-lhe Ari! Ilustra Donald Teskey & Rowena Dring, que embora um Irlandês e a outra Britânica, são todos de raízes celtas. Nas entre linhas, Alexander Jansson, Brian Smith, Debra Hurd, George Rodrigue, Gustave Courbet, Michel Pérez Pollo, Mumia Abu-Jamal, Norvz Austria, Overunder & Yale Wolf, raceytay.etsy.com, René Magritte, Theresa Byrnes, e Wendy J. St. Christopher, e além dos esperados pindaíbicos Arnaldo Xavier, José Geraldo de Barros Martins, Roniwalter Jatobá, Souzalopes e este que vos escreve, tem também muita gente boa, como sempre: confiram na Dívida Interna!

http://www.darkartstrailerpark.com/

É isso aí, companheiros. Na suja LabUTA do dia-a-dia, que não basta ser dura por natureza, tem ainda a mão do homem para piorar... e fica ainda pior quando essas mãos são as que deveriam acolher e confortar, e acabam violando, abusando, subjugando... e pior ainda quando os subjugados são crianças... e tudo em nome de deus, nos parece, pois até mesmo o papa, autoridade máxima do divino aqui na terra, faz vista grossa para padres pedófilos!

TUDA's edition desk
(PC Blue, by George Rodrigue)

Melhor mesmo é TUDA volatr aos seus afazeres...

Asyno Eduardo Miranda
o (auto-proclamado) editor
deste porto seguro da jlha do Eire
oje, sexª feira, terº dia do oitº mez
d este Anno Domini de MMXII

Dívida Interna

Drawing of Mumia Abu-Jamal writing from prison
Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Digitação
Eduardo Miranda

Revisão
dos autores

Participam desta edição:
Alexander Jansson, Aristides Klafke, Arnaldo Xavier, Brian Smith, Carla Andrade, Cesar Cruz, Debra Hurd, Donald Teskey, Dorival Fontana, Edson Bueno de Camargo, Eduardo Miranda, George Rodrigue, Gustave Courbet, Hamilton Faria, José Geraldo de Barros Martins, José Miranda Filho, Marina Alexiou, Michel Pérez Pollo, Mumia Abu-Jamal, Norvz Austria, Overunder & Yale Wolf, Pedro Du Bois, Plínio de Aguiar, raceytay.etsy.com, René Magritte, Ronald Augusto, Roniwalter Jatobá, Rowena Dring, Santiago de Novais, Souzalopes, Theresa Byrnes, Thom Gunn e Wendy J. St. Christopher.

E-mail
tuda.papel.eletronico@gmail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

by Brian Smith


(...)

25

O retorno
parte sempre
do princípio

26

Rosaracnídea d’acauã
descrevermelha serpente
fria morte alad’amanhã

27

Espanta face multicor
supercílio petalar coração
móveis & Utensílios do amor

28

Lago sereno
a pedra caindo
círculo d’água efêmero

(...)

Poesia - Souzalopes

Fiery Autumn, photo by raceytay.etsy.com

Manifesto do Partido Comunista
em cordel
Anônimo de Souza

(...)

3 – Literatura Socialista e Comunista

1 – O socialismo reacionário

a) o socialismo feudal

Também reacionário
O socialismo já foi,
No tempo do carrancismo
Quando o homem era boi,
Na velha idade média
Naquele tempos de oi.

Lá na frança e na Inglaterra
A doente aristocracia
Porque derrotada lança
Gritos contra a burguesia.
A história não se finda
Porque sempre principia.

No ano dezoito-trinta
França fez revolução,
Na mesma época o inglês
Passava decepção.
(Isto se refere aos nobres,
Porque o pobre era cão).

Os nobres perdendo o trono
Foram atrás do proletário.
Falavam mal do burguês
Em todo jornal diário.
Assim levaram a luta
Para o campo literário.

Já não podendo lutar
Contra a brava burguesia
Limitavam-se a escrever
Contra ela todo dia.
Assim buscavam do pobre
Conquistar a simpatia.

Aquilo que resta da obra
Deles, agora é caduco.
Já riram muito, gozaram,
Só fazendo vuco-vuco.
Assim o mundo ficou
Mais uma vez mais maluco.

A grande bronca que tinham
Dos burgueses inimigos
Era ter criado a classe
Que traz maiores perigos:
Brava classe proletária
Pra todos eles um risco.

Assim, na luta política,
Ajudaram a repressão.
E na vida do dia a dia
Fazem discurso cristão.
E o padre, com água benta
Lava e limpa a opressão.

(...)

Poesia - Plínio de Aguiar

Photo Manipulations by Norvz Austria

Número Primo Versa

Enigma da partição negada.
Pode porém por um e a si igual
Dividir. Só, com os seus algarismos
Não se deixa geminar. Cálculo e
Ou diverso, internamente sua
Aritmética pulsam valências
E similaridade, quanto amá-lo?
Algarismos únicos ou escravos,
Início numérico ou sanguíneo,
Fariam difícil a poesia
Não fora a vida e suas quantidades
Naturais de inconstantes se provarem.
Do caos ao cosmo ao desassossego
Primos e versos buscam-se, ao longe.

Poesia - Ronald Augusto

Negativo de L’Origine du Monde, de Gustave Courbet.

o pornógrafo alusivo

cli-
vagens voraginosas
o olho-verga do fotógrafo

ver de vergasta contra vergonhas
involucradas consigo mesmas
(maestrinas masturbatórias)
mais saradas do que saradinhas (como
consta na carta de caminha)

pornografemas ronronar e gozo
e logo o malogro do gozo
senos tronchados (octavio
paz dixit)
contra-plongè
o ômega da boca
num delinear de felatio

racimos de velos
arabesco em velossístole de
medusa ruiva          mas
o inopinado pente que revem
é mais embaixo

dor cheia de dedos          ardil
priápicoapetitoso
tamborilar linguodental

carnação em pasta      polpa de nata
(o pescoço de alabastro de leda
enquanto zeus doloso
pescoço grosso de cisne-signo a empala)
bestialógico de musas pálidas
capitosas

(22.10.2010)
Languagesca>en YahooCEerror
Modificação

Poesia - Hamilton Faria

Walkin' To New Orleans - The Blue Dog series, by George Rodrigue

O Cão Polaco

O cão polaco abana o rabo
Sem saber de nada
O que se passou em Varsóvia

De pólvora
lágrimas
muros

- o General Inferno –

Sem saber da flor da Pomerânia
Sem saber  – “é melhor morrer
De vodka do que de tédio”-
Sem saber
Pátrias esfumam-se
Nos mapas
O cão polaco
quietude
Da Wierzba placzaca
Olha-nos –
em compaixão

O Vístula vestido de noiva
Sem saber que a memória


               Queima

Poesia - Santiago de Novais

Fragmento de Ulysses, de James Joyce
Imagem enviada pelo autor

Epitetos para Encenar Joyce com P.Coelho e outros Idiotas

"Nunca se aprende bastante com os homens."
(“Ulysses”-James Joyce)

Prólogo Intenso
(primeiro de tudo pode ser 16 de qualquer mês e a internet pode ter caído
em todo o Reino Unido e até mesmo faltar bebidas na Cornualha).
--- pensei em colocar dois gnomos ou duendes, mas isso não daria certo ---
---menos ainda shamrocks, ou ainda falar algo do oblíquo-e-rico Coelho---
(um leitor de Cork disse: deveria ter morrido de overdose a falar de J.J., mas
isso acho causa negativa por isso não incluí- ele é rico e escreve mais ou menos, tenho medo).


bom vamos lá:


Epiteto 1
lambe-me   red    deixa ver
vou   ver-te    se amanheço vagina
bromélio sabiá-eu  conecte-me-a-Marte
meninos-de-Tanger color-de-céu tangerino-de-nada-digo

Epiteto 7
lambe-me  hot  minha nuca aflição
vou  meter-moi  se amanheço-amasso-me?  às cumbucas
falo mais que   que sabe o que me disse?   tangerino-de-violeta
minha provocação vem de Ulysses se masturbando e proibido e este apezinho no Eire?

Epiteto 2
lambe-me   sei-que-eu-sei-que-sei  tipo uma nova parola
temo    tener   que-você-e-as muvucas
hablo mais de lo que  frango-molhado-de-nuvem-brado-de-borboleta
         a avesso-osseva a
este a é com crase disse rock’n-robin Caetano e sabiá-mais eu mais Jackson que em Marte

Epiteto Normal
lambe-me  sargaço-e-onda  me caso-com ele bem-em-Tanger-te-chupo
Dedalus-duro de tudo  ea esposa é traidora – vira a página-de dia ainda
minha vida vem toda de Joyce, assim é - como se ando num Rolls Royce-tou poeta e veloz

Poesia - Dorival Fontana

La Reproduction Interdite, René Magritte
Tempo

O vento vem,
A chuva cai.
O sol se põe
Em meu quintal.

Mais uma noite,
É como a outra,
Após a outra,
Após a outra...

Um novo dia,
É sempre o mesmo.
Só muda o dia,
Só muda a roupa.

Mutante é o rosto
Que me desfaz,
No velho espelho
Tão desigual.

Poesia - Edson Bueno de Camargo

Dust to Dust, by Theresa Byrnes
Preto

ônix
absorve a não refração
nega ao olho
o espetro

turmalina
carvão
filhos e filhas da terra
seu sangue mineral
a correr candente

de outra cor negada
basalto
asfalto
betume a aflorar no deserto
em Mar Morto

tudo pedra
tudo pó
todos nós


Poesia - Pedro Du Bois

Her Only Friend the Moon by Alexander Jansson

A Concretude Da Casa

A casa se esforça em cumprimentos.
Mimética, esconde fissuras e a parede
desbotada do passado; reafirma cores
inexistentes, ilude; ouve as pessoas
dizerem da vida lá fora e lembra
sua construção: a edificação exige
equilíbrio e graça na modificação
dos materiais, na sobreposição
das lajes, no colocar tijolos e no cobrir
o corpo em telhado; a casa conhece
cada pedaço do seu todo: as junções
vitais dos encanamentos e a energia
referida ao uso das utilidades.


(in A Concretude Da Casa 9, ed. do autor)

Poesia - Marina Alexiou

Imagem enviada pela autora.

Escrito Nº78

Saudade de coisas que não conheço.....
Nesse universo desolado de pessoas, que já foi tão brutal e deserto de sentimentos e felicidade ao longo da história, nos encontramos você e eu.
Sentimos a trajetória da humanidade nas veias e artérias do sangue e pensamento que nos habitam.
E que vai em passo lento, desde sempre, por estradas íngremes e cheias de perigos ancestrais.
Nos momentos onde a nossa sensibilidade encontra-se nessa mesma onda vibratória, desdenhamos da sorte e também da fortuna. Desdenhamos do futuro de tudo e não encontramos beleza no caminho.
O que está reservado ao longo desse cenário desdobra-se em nosso script mental formatado por nossos desejos e receios mais secretos.
Se o temermos em demasia, como segui-lo?
A história continua a ser formada dos pequeninos fragmentos e retalhos dos momentos audaciosos que insistentemente de impõem, apesar de todos os riscos e desprezos.
A clareira é percebida ao longe. E na distância, tudo parece mais distante.....Mas a carroça se move, até chegar....

Poesia - Carla Andrade

Timing Is Everything, by Wendy J. St. Christopher

Labirintos
 

Uma voz de degraus —
inalcançáveis — está presa no porão
dos pensamentos.

Há muito tempo,
quando ninguém sabia
se pode mastigar o tempo
        (as horas são ainda
mais mastigáveis),
ela já estava lá.

Na infância, tinha dentes.
Presas de cristal...
Era o tato
e todos os dedos do mundo
formigas estranguladas
nuvens de baralhos do céu
carrosséis berrantes da alegria.
  
                (Às vezes, disfarçava-se de saltos
e, em cima das árvores, perseguia pipas).

Na adolescência, piscava aos vaga-lumes.
Cheiro de enxame, gosto de fumaça,
censura de pêlos e
textura de ferida lívida.
A voz, epílogo de beijos
(sufocados de sonhos
em capítulos rosas).

Hoje, a voz, só uma música.
Sem cor e gosto de terra:
fala palavra, cospe sílaba.
Um buraco de ecos.
Degraus inalcançáveis, sepulcros
de memórias de framboesas.

Crônica - Roniwalter Jatobá

Trabalhadores 'batendo laje' na periferia de São Paulo
Foto-manipulação de Eduardo Miranda


Dia De Bater Laje

As migrações internas incharam as grandes cidades. Contam que, nos anos 50, mais de 500 mil nordestinos mudavam para São Paulo em busca da terra prometida. Chegavam de trem, pau-de-arara, a pé, à procura da riqueza que o pobre e miserável meio rural não tinha condições de proporcionar. Traziam malas amarelas e duras de couro curtido de boi e, dentro, uma ou duas trocas de roupas impróprias para o frio da cidade garoenta e fria.

Anos antes, em 1938, a literatura de Graciliano Ramos já havia comovido a intelectualidade urbana com a descrição realista e crua de uma família pobre na aridez do Nordeste. Profeticamente, o escritor alagoano contou no final do seu livro Vidas secas: “E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de homens fortes. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá.”

Chegavam para trabalhar nas construções, em canteiros de obras, na roça carpindo mato, onde encontrassem lugar. Também erguiam prédios; logo aprendiam a lidar com colheres e prumos como um dia se tornaram capazes na arte de fazer rapadura e açúcar. Mas gostavam era do trabalho na fábrica, mesmo insalubre, com carteira assinada e um salário certo no fim do mês.

No começo, viviam dispersos, batendo a cabeça para lá e para cá, mas logo as maiorias foram se arranchando em algum canto. Buscavam os arredores da cidade, seguindo as linhas do trem, lado a lado com indústrias recentes.

Contam também que, tempos depois, alguns voltaram enlouquecidos com a diferença de mundos. No lugar de origem, sem juízo perfeito, corriam pelas ruas, como se quisessem mostrar para todos que o mundo não perdoa os desgarrados. Outros, como para provar que nem tudo está baseado no destino, retornavam bem de vida ou pelo menos mostravam isso na aparência. Em dias de festa, apareciam em férias vestidos de ternos comprados a prestação na José Paulino.

Everaldo José da Silva, morador na travessa da Tranquilidade, perto do Mercado Municipal, em São Miguel Paulista, sempre esteve ligado a toda essa história da migração. Depois de comer o pão que o diabo amassou nas terras das beiradas do Tietê e juntar alguns trocados no bolso, primeiro foi buscar os irmãos mais velhos. Com o passar do tempo, carregou a família inteira para ajudar a construir São Paulo.

Em 2000, depois de 35 anos no batente da Nitroquímica, se aposentou. Novo ainda, poderia, se quisesse, passar o resto dos seus dias levando a vida, longe do burburinho da metrópole. Mas, não.

Nas madrugadas de domingos, era possível encontrá-lo pelas ruas de São Miguel. Sem roupa domingueira, mas de trabalho, caminhava por vias vazias de carros. Na antiga São Paulo-Rio, pegava um ônibus que iria deixá-lo perto da ponte do Jardim Maia, já bem próximo ao bairro do Itaim Paulista. Isso porque, três dias antes, algum amigo havia passado pela sua casa. Precisava de ajuda para erguer um “sobradinho” com três cômodos.

Conforme o combinado, Everaldo atravessava a ponte sobre a estrada de ferro. Longe, a perder de vista, o emaranhado de fios e trilhos. Pensava ele, nada paga a alegria de ver nascer uma nova e digna moradia.

Faz quase um ano que Everaldo faleceu. Falta alguém importante em São Miguel. Quem pode esquecer-se daquele ser prestativo que acreditava que, faça sol ou faça chuva, todo domingo era dia de bater laje?

Conto - José Geraldo de Barros Martins

Ilustrção do autor
Considerações de um Escritor

Zelino Zamparini estava nervoso na manhã do lançamento de seu livro “Lágrimas Gargalhantes”... tomou banho fez a barba e vestiu uma roupa simples, colocou a bagagem sua e de sua mulher no carro, duas mochilas e um cabide com seu melhor paletó e o melhor vestido de sua cara-metade limpos e passados... fechou bem a casa e pé na estrada... de Echaporã até São Paulo são quase quinhentos quilômetros... por isto resolveram sair cedo, tomar o café da manhã no caminho e chegar na capital paulista na hora do almoço, se desse tempo iriam comer no Itamaraty...

- “Será que ainda está aberto? Vários lugares clássicos já haviam fechado, o Riviera, o Parreirinha, e dizem até que a rotisserie Bologna havia fechado”...

Definitivamente São Paulo já não era mais a mesma do tempo em que eles moravam... na verdade nenhum lugar nunca é... aquele velho papo que Heráclito contava sobre ninguém poder banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois as águas já não eram mais as mesmas...

No caminho foram ouvindo músicas country tocadas por roqueiros do final dos anos sessenta e início dos setenta: Sweetheart Of The Rodeo (Byrds), Beggar´s Banquet e Let It Bleed (The Rolling Stones), "The High Lonesome Sound of The Flying Burrito Brothers" e muitas outras enquanto seu carro deslizava entre os canaviais ensolarados...

Após certos transtornos para adentrar a cidade, o nosso protagonista e sua esposa Pietra deixaram o carro em um estacionamento ao lado do hotel...

- ”Agora chega de dirigir... vamos pegar o metrô até a São Bento, lá fora veremos de novo o mural pintado pelo Maurício Nogueira Lima depois iremos dar uma rezadinha no Mosteiro de São Bento, depois Itamaraty, será que ainda tem aquele arroz-de-polvo? combina com vinho verde...”

Após fazerem o planejado e tirarem um merecido cochilo Zelino e Pietra Zamparini tomaram outro banho e vestiram suas melhores roupas... na rua tomaram um café expresso e foram direto para a livraria.... ele estava curioso pois havia visto a capa de “Lágrimas Gargalhantes” somente via internet e agora iria vê-la impressa de verdade...

- “Ficou bom!!!”

“Lágrimas Gargalhantes” era definitivamente o melhor livro do ano: era um romance passado em Cluj-Napoca (Romênia) sobre uma adolescente orfã chamada Ionela, que apesar de magrinha, branquela e com orelhas de abano possuia lindos olhos lilases e cuja única alegria era o cachorro chamado Vlavlash... porém um dia, o cãozinho cai em um bueiro e é devorado por ratazanas famintas... a partir daí ocorre uma sucessão de desgraças, até que Ionela encontra um antigo saco-de-risadas em uma lata de lixo, então de posse do seu brinquedinho o mundo passa a ter um outro significado e começam a ocorrer uma série de coisas boas.... porém um dia o saco-de-risadas cai no rio Someşul Mic e então a menina decide deixar a Romênia e ir para Piriápolis no Uruguai, onde vivia sua tia Raluca...

O lançamento foi um sucesso de público e crítica, surgiu até um convite para a próxima Flip em Paraty... o nosso protagonista aproveitou também para encontrar familiares e amigos indo comemorar depois no Le Casserole no Largo do Arouche...

No dia seguinte antes de retornar decidiram dar uma passada em um shopping center para comprar um brinquedo para seu sobrinho, e ao adentrar a loja de brinquedos não acreditaram no que viram:
Uma senhora com uma bolsa de couro contendo uma garrafa térmica e uma cuia de mate, segurava pela mão uma adolescente magrinha, branquela e com orelhas de abano e lindos olhos lilases que por sua vez examinava um saco-de-risadas na prateleira da loja... Não era um saco-de-risadas laranja como aqueles dos anos setenta, era colorido e moderninho...

Pietra então olhou perplexa para o seu marido e disse:

- Não acredito!!! Elas não podem ser reais!!! Elas são personagens do seu livro!!!

Zelino Zamparini sorriu vagarosamente... ficou alguns instantes em silêncio e exclamou:

- Ora querida, todos nós fomos, somos ou seremos personagens de algum romance, conto ou novela... essas duas com certeza são as personagens do meu livro, mas nós dois por exemplo podemos ser personagens de um pequeno romance de um artista desconhecido ou até mesmo de um mini-conto publicados em uma destas boas revistas eletrônicas que estão surgindo...

Crônica - Cesar Cruz

Funcionario, 2008 - Michel Pérez Pollo

A Invasão dos Horácios

Tenho me sentindo perseguido por eles. Não resta mais dúvida, eles agora são maioria. Brotam do chão aos milhares e ficam ali, saltando como camarões na areia seca, reproduzindo-se por mitose.

Há muito o nome Horácio deixou de pertencer exclusivamente àquele dinossauro, dos bracinhos curtos, criação do Maurício de Souza. Já de uns bons anos pra cá, passou a apelidar um novo espécime, conhecido meu e seu, e bem humano. Trata-se do Horácio Corporativo, tipo que você encontra às dezenas nas empresas. Lembremo-nos dele: é o sujeito que não faz nada além do que é estritamente obrigado a fazer (e olhe lá) por exigência da ocupação. Conhece algum?

“Você pode me ajudar a...”. Não pode. O Horácio nunca pode ajudá-lo a fazer nada que não seja sua atribuição oficial, registrada sabe-se lá em que documento que ele garante que assinou quando começou a trabalhar ali. O Horácio Corporativo é um avarento no quesito ajuda. Não estende a mão; nem pra trabalhar, nem pra cumprimentar. Tem o braço curto, e a cara amarrada.

Meio-dia e um minuto? O Horácio larga a caneta. E aí pode esquecer. “Por favor, apenas um visto aqui pro navio do Suriname poder atracar e...”. Dane-se. O Horácio não se importa. Aquele é o sagrado instante em que começa a hora do seu almoço. E agora, meu caro, vistos e carimbos só às 13h30. O navio do Suriname que afunde.

Apesar da pós-graduação e do inglês fluente, quando você precisa de um Horácio ocorre o seguinte: você telefona e ele está em reunião (os horácios estão sempre em reunião). Então você dispara um email, com aquela perguntinha simples que pede resposta rápida, coisa boba, do metiê do Horácio, coisa pra ser respondida em, sei lá, 25 segundos. Mas não recebe retorno. Nem naquela manhã, nem na parte da tarde. O detalhe é que o dia avança, e você já ligou oito vezes no setor, mas ele já saiu da tal reunião e, segundo informações, está em outro departamento; depois almoçando, depois na expedição, depois no DP, depois em outra reunião, depois só Deus sabe onde... Cabe a você compreender: os horácios são muito ocupados.

Diante dessa sucessão de ausências, você, em desespero — já que precisa levar ao cliente a informação que só o bendito Horácio tem — manda SMS, emails, deixa 58 recados com os colegas e... Nada.

No dia seguinte, com o cliente já enlouquecido a fungar no seu cangote, te culpando de atrasar os trâmites e pôr tudo a perder, ao que você tenta ingenuamente justificar: “Sabe que é: lá no departamento fiscal temos um Horácio e...”. Ele não quer nem saber! Cada um que cuide dos seus horácios, oras!

Como último recurso, você recorre ao Facebook — um legítimo Horácio sempre carrega embaixo do bracinho curto um tablet ligado ao Facebook. Também não resolve. Silêncio do Horácio.

Então, como você supunha, agora já está tudo desabando na sua cabeça (detalhe é que os horácios parecem ter sempre o chefe ao seu lado, que agora mesmo está te olhando feio, e você aí sem fazer nada!). Dias depois, você já noites sem dormir, as olheiras escuras te dando um ar de panda, as coisas já praticamente perdidas, eis que você dá a sorte de ligar no setor e... MILAGRE! O Horácio atende!

“Sim, claro que recebi seus recados” — ele diz, com a serenidade típica da espécie — “... é que taxa de transbordo não é atribuição minha”.

O pior é que, naquela tarde, quando você se suicidar na copa, com a colherinha do café metida no ouvido, ninguém na empresa vai entender por quê.
Languagesca>en YahooCEerror
Público

Conto - José Miranda Filho

Cool Jazz, by Debra Hurd

Encontro de Amigos - Parte 10

O amanhecer do dia 28 de outubro foi muito frio e nublado. Não um frio cortante com ventos fortes, mas um frio úmido. Hoje é domingo, aqui e no resto do mundo. Logo cedinho, expressão literária não muito verdadeira por aqui, porque cedinho na Irlanda é perto de 10 horas, partimos para Cork.

Edward, além de ser escritor e trabalhar numa empresa multinacional na Irlanda, também faz parte de uma banda musical formada por engenheiros, analistas, médicos, que se apresenta em eventos sociais e beneficentes. Hoje eles iriam se apresentar na cidade de Cork e nos convidou para acompanhá-los. De pronto aceitamos o convite. Partimos para Cork.

Cork, como já descrita anteriormente, situa-se na costa sul da Irlanda. É uma cidade primordialmente musical, artística e artesanal. Sua cultura é muito difundida. Seu campus universitário possui aproximadamente 14.500 alunos matriculados nos estabelecimentos educacionais da cidade, freqüentando cursos de enfermagem, odontologia, terapia em todas as áreas, medicina, artesanato, artes manuais, música, desenho, farmácia, etc, além da famosa Faculdade de Medicina e Saúde.

Chegamos a Cork de manhãzinha. Ainda tivemos tempo de ver o luar através das montanhas, refletindo nas águas do Oceano Pacífico, e depois vimos a luz do sol que surgia brilhando nas montanhas distantes. Fizemos como sempre fazemos ao chegar em algum lugar: um giro pela cidade para conhecer seus pontos turísticos e culturais. Como Cork não é uma cidade grande, em pouco menos de três horas havíamos visitado todo o centro. Às 14 horas, paramos para o almoço, e à noite fomos ao teatro assistir a apresentação da banda em que Edward atua.

Confesso que gostei. Ouvi musicas inéditas. Para mim que não conhecia o repertório musical da Irlanda, a não ser do U2, quando esteve no Brasil. Foi muito interessante. Não sou muito apreciador desse tipo de música. Confesso que rock e outros tipos da mesma natureza não me atraem. Gosto de ouvir boleros, sambas canções, músicas do tipo romântica e do passado. Sou do tempo em que se chorava por um amor perdido. A paixão dói. Quando acaba o amor, as músicas ajudam a esquecer o sofrimento do amor perdido.

Após o show que lotou o teatro - aproximadamente 300 pessoas - a banda foi aplaudida de pé pela brilhante apresentação e principalmente pela nobre causa social, como disse o responsável durante a apresentação: “o cachê vai para as crianças necessitadas da cidade”.

Depois do show fomos jantar nas imediações do teatro que ficava próximo do hotel onde estávamos hospedados. Depois do jantar fomos caminhar pelas ruas da cidade, sem destino. Rumo norte, destino zero! Sem novidades! Apenas andamos por algumas ruas. Eva não gosta muito de andar, tem problemas de circulação nas pernas, por isso paramos.

Permanecemos em Cork naquela noite. No dia seguinte, logo pela manhã retornamos a Dublin, onde permaneceríamos até o dia 10 de Novembro, atendendo ao pedido de Edward para permanecermos na cidade e participar da festa de aniversário de Arlington, seu filho que completaria 18 anos no próximo dia 10.

A festa de Arlington estava ótima. Muito agradável e bem divertida.

Edward apresentou-nos alguns de seus amigos residentes em Dublin, presentes à festa, entre eles Junior, um brasileiro, proprietário de uma empresa de terceirização de serviços, radicado na Irlanda há dois anos, e Rick, um engenheiro eletrônico, também brasileiro e residente em Cork, cidade em que estivemos por duas vezes. Fez absoluta questão de nos apresentar também e muito especialmente, como ele disse, um casal de irlandeses residente em Belfast: Mr. Foster e Madame Anne, sua esposa. Conversamos bastante.

Mr. Foster nasceu no condado de Kilkenny, e aos nove anos de idade seus pais se mudaram para Cork, onde ele se casou com Anne. Estudou artes plásticas e desenho, porém formou-se em arqueologia. Atualmente ele mantém um amplo centro cultural onde leciona, desde artes plásticas, artesanatos e desenhos, até gravuras e pinturas em tela e folclore de diversos países, inclusive do Brasil. Também são estudados, ensinados e pesquisados, literatura de cordel das regiões do nordeste brasileiro. Fiquei deveras curioso para saber como um irlandês se interessou tanto pela cultura do Brasil. Perguntei a Mr. Foster e ele simplesmente me respondeu – “Já estive no Brasil pesquisando o folclore dos estados de Fortaleza, Bahia e Maranhão”.

Como marchand e colecionador de obras de arte Mr. Foster dedicou muito do seu tempo ao estudo e pesquisas de nossa cultura. Formou-se em arqueologia, porém, deixou de exercer a profissão a partir do dia em que desembarcou no Ceará e se encantou pelos trabalhos artísticos, artesanais, cerâmicos e musicais dos artesãos da cidade. E assim foi em Salvador, Maranhão e em particular Pernambuco, cidade que o fascinou pelo conteúdo musical e cultural.

Tradução - Eduardo Miranda

Nascido William Thomson Gunn em Gravesend, na Inglaterra, Thom Gunn (29/08/1929 - 25/04/2004) foi um poeta anglo-americano, elogiado tanto por seus primeiros versos ingleses, associado ao grupo literário The Movement , quanto pela sua poesia mais tarde nos Estados Unidos, quando adotou um estilo mais livre de verso. Ao trocar a Inglaterra por San Francisco, Gunn tornou-se abertamente gay e passou a escrever sobre temas relacionados ao homossexualismo - particularmente em sua obra mais famosa, O Homem com suores noturnos, de 1992 -, bem como ao uso de drogas, e boemia, seu estilo de vida. Gunn recebeu vários prêmios literários importantes ao longo de sua carreira. Morreu de overdose de metamfetamina em sua casa no bairro de Haight Ashbury, em San Francisco, EUA.
A Aniquilação do Nada

Por Thom Gunn


Street Art - Nothing, Nevada
by Overunder & Yale Wolf

Nada restava: Nada, devasso nome
Que ensaiei todas as noite até entrar em transe
Em um sono obscuro, sonho que sono consome.

Nisto uma enorme ausência suspende,
Mais espaço que espaço, entre nuvem e limo,
Definido pelas oscilações de seu alpendre.

Entregue às viravoltas cruéis do relógio,
Cujo extremo eu conhecia, acordei sem desejo,
E aceitei zero como subterfúgio.

Mas agora destroçam-se imagens-bombas em fogo
Na esfera tranquila onde a tolerância reinava,
Revelando a terra arrendada ainda em seu todo:

O poder que antevi, e que me guiava
Derradeiro em suas devastações amorfas,
Era simples mudança, cada átomo que quebrava

Definia, por simples acaso, novas normas.
Uma finitude infinita, é o meu porvir
Dessas variações de encantadoras formas.

É o desespero de que nada não possa existir
Que chameja em minha mente a mancha imensa
Do temor.
Olho para cima. Nem ficar nem partir,

Despropositada matéria no escuro suspensa.

The Annihilation of Nothing
By Thom Gunn

Nothing remained: Nothing, the wanton name
That nightly I rehearsed till led away
To a dark sleep, or sleep that held one dream.

In this a huge contagious absence lay,
More space than space, over the cloud and slime,
Defined but by the encroachments of its sway.

Stripped to indifference at the turns of time,
Whose end I knew, I woke without desire,
And welcomed zero as a paradigm.

But now it breaks—images burst with fire
Into the quiet sphere where I have bided,
Showing the landscape holding yet entire:

The power that I envisaged, that presided
Ultimate in its abstract devastations,
Is merely change, the atoms it divided

Complete, in ignorance, new combinations.
Only an infinite finitude I see
In those peculiar lovely variations.

It is despair that nothing cannot be
Flares in the mind and leaves a smoky mark
Of dread.
Look upward. Neither firm nor free,

Purposeless matter hovers in the dark.

Thom Gunn, “The Annihilation of Nothing” from Selected Poems. Copyright © 2009 by Thom Gunn. Reprinted by permission of Farrar, Straus and Giroux.

Foreign Word - Aristides Klafke

Sketch - 11x15" pencil on paper, by Brian Smith

Advice

you should return the smile
to the establishment

uneventful you must pass by the people
like the world did not exist,
you must pass only, oblivious.

become a widower of feeling
run away in the middle of the battle
and stock the sex

you should be ludicrous, my friend
noiseless
you should open up
          into chaos.

and be well!

Conselho

você deve devolver o sorriso
ao poder

sem novidade deve passar pelas pessoas
como se o mundo não existisse,
deve passar apenas, alheio.

ficar viúvo do sentimento
desertar em plena luta
armazenar o sexo

você deve ser absurdo, amigo
silencioso
você deve inaugurar-se
          no caos.

e passar bem!


[ in Contramão - poemas, Coleção PF, Edições Pindaíba / Poesias Populares, 2a edição, Setembro, 1978 ].

Ilustração - Donald Teskey

Nascido no Condado de Limerick, na Irlanda, em 1956, Donald Teskey formou-se no Limerick College of Art & Design em Fine Art, em 1978. Foi eleito membro da Royal Hibernian Academy, em 2003, e membro da de Aosdana em 2006. Um dos mais talentosos artistas irlandeses, Donald Teskey pinta paisagens tão sublime, que você pode pode quase respirar através de seus quadros.


Bridge and Tunnel, 2008 - Oil on Canvas

A Moving Display, 2009 - Oil on Canvas

Ilustração - Rowena Dring


Nascida em Wellingborough, Inglaterra, 1970, Rowena Dring Atualmente vive e trabalha entre Amsterdam e Borgonha. Educação: Bedford College of Higher Education. Diploma na Fundação de Arte e Design ('90); Chelsea College of Art and Design, em Londres. Arte BA (Hons) Fina, Pintura (93); Goldsmiths College, Universidade de Londres. MA em Belas Artes ('98).


Joshua Tree, early evening, blue-sky version, 2010, Stitched Fabric over Canvas

Barker Dam, Joshua Tree, 2008, Stitched Fabric over Canvas